por Chico Alencar (Deputado Federal - PSOL/RJ)

Janeiro tem esse nome em homenagem ao Deus Janus, protetor dos lares. Então, que comecemos o ano cuidando de quem está bem do lado, o íntimo que conhece nossas fraquezas e virtudes. O que nos vê despidos de papéis e funções, e nos enxerga como somos, sem mistificações. Que em casa também sejamos, com delicadeza, a imagem que projetamos para fora, excluída qualquer falsa beleza.
Fevereiro lembra "februália", festa de purificação dos pecados, na Roma Antiga. Aqui tem carnaval, celebração da alegria, sem culpas, que devia mesmo é durar todos os dias. Sim, a vida nos machuca com imensas perdas e saudades sem solução, mas a festa também nos é oferecida na flor do caminho, na gentileza inesperada, no gesto da doação que é acumulação às avessas: quanto mais se dá, mais se ganha.
Março vem de Marte, Deus guerreiro. Para a humanidade não perecer, devemos travar a "guerra santa" contra o nosso egoísmo, a nossa acomodação, a nossa incapacidade de perceber a diversa-idade, isto é, o Outro na sua diversidade. Guerra também contra a "normose", doença da indiferença que nos deixa sem disposição de lutar e de fazer a nossa parte na construção de um outro mundo. Igualitário, fraterno, possível.
Abril deriva do latim "Aperire", o que abre. Costuma abrigar, no calendário cristão, a Páscoa da Ressurreição. Tempo de, mais uma vez, abrirmo-nos ao desafio da existência, aprendendo que é preciso ser passagem constante da morte (que entra devagarinho na gente) para a vida, e ter a coragem de mudar sempre para continuar o mesmo.
Maio, de Maia, Deusa do crescimento das plantas, é também da trabalhadora, do operário. Que o trabalho criador seja meio de nos humanizarmos. De estimular todas as potencialidades à nossa volta. Que nosso fazer cotidiano seja orientado pelo princípio do cuidado, para que as mil formas de vida continuem pulsando, crescendo, e para que o planeta doente não pereça envenenado.
Junho homenageia Juno, protetora das mulheres. Que o feminino que mora nos homens não continue abafado, cerceado, reprimido. Que o masculino que está na gênese da mulher se afirme como vontade, altivez, perfeita liberdade. Sejamos todos inimigos do que cala a humana sinfonia: machismo, patriarcalismo e grosseria.
Julho, no novo - e bem antigo - calendário romano, é um louvor ao imperador Julio César. Que o poder seja para nós, do plano doméstico ao social, só de serviço, de função, e nunca de opressão. Que saibamos, sem medo, fazer, quando necessário, o que pode ser imperativo dever: recusar o poder. Ou exercê-lo na partilha, para que ele seja instrumento de espalhar benefícios.
Agosto continua incensando os césares: desta vez, Augusto. Mas augusto é também elevado, respeitável, magnífico... Sejamos augustos, inclusive conosco mesmos, cuidando do templo do nosso corpo, sem maltratá-lo com excessos e abandonos, fazendo-o saudável para melhor e mais augustamente amar...
Setembro, do latim "septem", não é mais o sétimo mês, e sim o nono. Mês da data nacional brasileira, que nos evoca independência. Lembremo-nos de proclamar a nossa, tornando-nos emancipados de toda escravidão dos bens e do dinheiro, repartindo o latifúndio dos nossos acúmulos desnecessários e superando a monocultura do consumo, da padronização, da videotização.
Outubro... ou nada? Mês da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Negra Aparecida, colhida por humildes pescadores. Que nos venham suas bênçãos, para aprendermos, com humildade, que todo erro reconhecido faz parte da construção do acerto, para quem sabe ouvir e quer se superar. E para que nos tornemos, sempre e mais, seres de luz, apesar das sombras, falíveis mas plenos.
Novembro, de "novem", é, entre nós, o da República, mais nome que fato. Tempo de nos perguntarmos: e a nossa cidadania, a quantas anda? E a nossa consciência e conhecimento da realidade, estão anestesiados? Não aceitemos a "ordem" injusta e o "progresso" só para poucos. Republiquemos a palavra cortada do lema: amor. Para compreendermos, com Carlito Maia, que precisamos de muito pouca coisa: apenas uns dos outros.
Dezembro encerra mais uma etapa. Será que poderemos dizer, ao final dela, que nosso ano foi "dez"? Ou tão sem graça que irá, junto com a folhinha de 2009, para a cesta de papéis? Para construir um ano realmente novo, comecemos já, semeando um cesto de alegrias no coração de quem gostamos. Chegou a hora: mãos e braços dados na ciranda da vida, sigamos!
Amém, amemos.
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